Temos toda uma base fisiológica, que nos sujeita a um ritmo biológico e que respeita os ciclos de luz e dia. Esse sistema de regulação dá-se pelo nome de ritmo circadiano ou sistema de timing circadiano e tem um papel crucial em vários processos biológicos tais como: o estado de sono-vigília, secreção hormonal, saúde cardiovascular, homeostasia da glucose e regulação de temperatura (Serin & Acar Tek, 2019, p. 1).
Contudo, parece que não estamos a ser capazes de ter sonos adequados e alguns estudos indicam que na população pediátrica, aproximadamente 25% das crianças, experiência dificuldades com alguns aspectos do sono (Vriend & Corkum, 2011, p. 1).
Esta questão é importante porque parece que a rescrição crónica do sono pode afectar negativamente as etapas de desenvolvimento e ter consequências negativas dramáticas com o afectar das capacidades cognitivas durante o dia (Banks & Dinges, 2007, p. 1), regulação dos afectos, concentração, problemas de saúde, qualidade de vida e funcionamentos pobres dentro da orgânica familiar (Vriend & Corkum, 2011, p. 2). Na tabela 1 é possível ver em média a quantidade de horas necessárias de sono por idade.
Tabela 1. Parâmetros normais de sono em crianças e adolescentes (Susanna Esposito, 2019, p. 2)
Idade
Duração do sono total
Sestas (em média)
0-2 meses
16-18h
3,5 por dia com 1 mês de idade
2-12 meses
12-16h
2 por dia aos 12 meses de idade
1-3 anos
10-16h
1 por dia aos 18 meses de idade
3-5 anos
11-15h
50% aos 3 anos não fazem sestas
5-14 anos
9-13h
14-18 anos
7-10h
Sestas com esta idade sugerem descanso insuficiente á noite
Os distúrbios do sono são muito prevalentes em crianças e, sem tratamento apropriado, podem tornar-se crónicas e durar por vários anos.
Decidi trazer este tema depois de atender uma criança de 4 anos com distúrbios do sono que duram á mais de um ano. Não há guidelines específicas que indiquem uma melhor abordagem para melhorar o sono, mas sem dúvida que conseguir melhorar pode beneficiar as crianças afectadas e toda a família (Susanna Esposito, 2019, p. 1).
A Insónia é definida como uma dificuldade repetida em adormecer (mais de 30 minutos por noite), sono insuficiente (menos de 8h) e pouca consolidação do sono ou qualidade apesar de ter o tempo disponível e oportunidade para adormecer atendendo á idade (Susanna Esposito, 2019, p. 1). Tudo isto pode levar a dificuldades tanto nas crianças como nas famílias em funcionar durante o dia. A falta de sono pode depois levar a: manifestações de irritabilidade, problemas comportamentais, dificuldades na aprendizagem e diminuição da performance académica.
Os distúrbios de sono podem ser vários mas irei apenas abordar o mais frequente e também relacionado com o caso que acompanhei e que está designada como insônia comportamental da criança. Este tipo de insónia afecta tanto o adormecer tal como o manter-se a dormir. É caracterizada pela dependência da criança de um determinado estímulo, objectos ou envolvência para poder adormecer ou regressar ao sono depois de acordar. Os factores envolvidos na dificuldade da criança adormecer sozinha podem incluir uma necessidade da presença dos pais para adormecer, adormecer com eles ou alimentar-se ao mesmo tempo que se deixa dormir (Susanna Esposito, 2019, p. 2). A criança irá por vezes ter dificuldade a adormecer e ocasionalmente acordar durante a noite. Tipicamente ocorre nas crianças em idade pré-escolar ou idade escolar.
Descartando outras causas médicas e biológicas para as causas das insónias, os hábitos comportamentais têm um impacto elevado. Eles incluem o uso de aparelhos electrónicos, horas de dormir irregulares e falta de exercício físico. Estas causas podem sobrepor-se às causas biológicas como dependência de factores externos para adormecer e manter-se a dormir (ansiedade requerendo a presença dos cuidadores) (Susanna Esposito, 2019, p. 3).
Os tratamentos comportamentais deverão ser tidos como primeira linha de tratamento antes de ser usada a farmacologia. Estas intervenções são baseadas em princípios de aprendizagem e comportamento incluindo o reforçar de comportamentos positivos. Para alcançar os objectivos é necessário o envolvimento de alguma combinação de associações positivas ao sono, estabelecimento de rotinas e técnicas de relaxamento. E está muito dependente da correcta educação dos pais para que possam adequar o comportamento da criança.
Para ajudar a ultrapassar a insónia na criança os hábitos de dormir são um importante primeiro passo para o tratamento e aparece em todas as intervenções para o sono. Tipicamente envolve uma combinação entre a criação de um ambiente que leve ao sono e que cative a criança a estabelecer hábitos de dormir. Em termos do ambiente, o quarto devera ser calmo, escuro e com uma temperatura confortável. Adicionalmente deverá estar decorado para ser relaxante, tranquilizador e ajudar ao sono. Devido a esta razão, as televisões, consolas de jogos e outros aparelhos electrónicos deverão permanecer fora do quarto e sobretudo os pais não deverão usar o quarto para colocar os filhos de castigo (Vriend & Corkum, 2011, p. 6).
A questão dos aparelhos electrónicos e da luz é de extrema importância pois além de excitarem, a emissão de luz perturba a normal produção de melatonina que é uma hormona indutora de sono. É chamada de “hormona da escuridão” porque é sintetizada e segregada justamente pela escuridão e inibida pela luz (Susanna Esposito, 2019, p. 3). É justamente a retina dos olhos que, sendo sensível á luz, serve de sensor para regular a altura para produzir ou inibir esta hormona. Por esta razão, no estabelecimento de um correcto ciclo de sono nas crianças, é importante que os estímulos luminosos sejam abolidos pelo menos uma hora antes do horário estabelecido para dormir.
Essas estratégias são importantes quando em conjunto com bons hábitos de sono tais como: implementar uma rotina de ir para a cama regular (ex. tomar banho, pijama, lavar os dentes, ler um livro e dizer boa-noite) e um horário de dormir consistente evitando actividades estimulantes (ex. ver televisão ou jogar jogos de consola) e incentivar a prática durante o dia de actividade física (Vriend & Corkum, 2011, p. 6).
È muito importante que os pais estejam alerta da importância do sono ou das consequências da falta dele. È também através deles que o tratamento comportamental pode funcionar ajudando a criança a estabelecer bons hábitos de sono. Quanto mais cedo são estabelecidos hábitos de sono melhor, isto porque os hábitos de sono que são estabelecidos em criança moldam os hábitos que são exibidos posteriormente quando adultos.
Rodrigo J.C. Estiveira, 2020
Bibliografia
Banks, S., & Dinges, D. F. (2007). Behavioral and physiological consequences of sleep restriction. J Clin Sleep Med, 3(5), 519-528.
Serin, Y., & Acar Tek, N. (2019). Effect of Circadian Rhythm on Metabolic Processes and the Regulation of Energy Balance. Ann Nutr Metab, 74(4), 322-330.
Susanna Esposito, D. L., Renato D’Alonzo, Annalisa Mencarelli, Lorenza Di Genova, Antonella Fattorusso, Alberto Argentiero and Elisabetta Mencaroni. (2019). Pediatric sleep disturbances and treatment with melatonin. J Transl Med, 17(77).
Vriend, J., & Corkum, P. (2011). Clinical management of behavioral insomnia of childhood. Psychol Res Behav Manag, 4, 69-79.