Sendo o cancro uma das doenças com maior taxa de mortalidade actualmente, poderá o exercício físico ajudar um indivíduo que tenha sido diagnosticado e esteja em tratamentos para o cancro? A literatura actual poderá ter já algumas respostas elucidativas para essa questão.
O cancro é uma das causas líder em mortalidade em todo o mundo, com aproximadamente 14 milhões de novos casos e com uma expectável taxa de incidência a aumentar por 70% nas próximas duas décadas (Laura Stefani, 2017, p. 1). Em Portugal o número de mortes por ano devido ao cancro foi de 25% em 2017 (do total de causas de morte por doença), tendo-se mantido entre os 23-25% de 2010 até então mas com tendência a aumentar (INE | DGS/MS, INE, PORDATA).
Está bem documentado que a carcinogenese (formação do cancro) assim como o seu tratamento estão associados a modificações físicas e psicológicas adversas. Muitas das vezes os pacientes são sujeitos a cirurgias e quimioterapia que, embora considerada como a razão maior para o aumento dos casos de sobrevivência, nem sempre são bem toleradas e contam como causa das modificações referidas. Essas modificações, englobam alterações metabólicas e funcionais incluindo patologias cardíacas, pulmonares, neurais, ósseas e músculo-esquelética. Essas alterações podem afectar a capacidade respiratória, força, composição corporal e função física, incluindo a integridade do sistema imunitário e consequentemente a qualidade de vida (Laura Stefani, 2017, p. 1).
Contudo, chegam-nos hoje em dia os resultados de estudos epidemiológicos que sugerem que os pacientes diagnosticados com cancro tendem a sentir-se melhor depois do tratamento quando seguem um programa de reabilitação completo. Estes tipos de programa são direcionados a conquistar um peso ideal através de intervenções com dieta e exercício físico. Como consequência, melhoram: a capacidade cardiorrespiratória, força, mobilidade, integridade neuromuscular e bem-estar psicossocial (Laura Stefani, 2017, p. 1).
Então, de que maneira pode o exercício ajudar no tratamento do cancro? Em primeiro lugar é preciso dizer que a taxa de sobrevivência de 5 anos após o diagnóstico de cancro aumentou cerca de 19% (Garcia & Thomson, 2014, p. 3) e isso foi devido ao diagnóstico precoce e a tratamentos mais eficazes: cirúrgicos, quimioterapia e radioterapia. E esses são os tratamentos mais eficazes disponíveis. Contudo, em relação ao exercício físico, sabe-se que está associado a um risco mais diminuído de mortalidade, recorrência de cancro e várias outras doenças crónicas nomeadamente diabetes tipo II e cardiovasculares, que são também condições comuns de comorbilidade em sobreviventes de cancro (Garcia & Thomson, 2014, p. 3).
Existe uma ampla evidência de que o exercício moderado a vigoroso aeróbico regular esteja relacionado a um reduzido risco de várias formas de cancro. Contudo, apenas para o cancro do cólon e da mama parece existir uma evidência científica forte e sugestiva. Para outros cancros há uma evidência menos consistente e esta é também uma área com algum viés, já que os estudos com resultados pouco positivos têm mais tendência a não serem publicados (Rezende et al., 2018, p. 6).
Em relação à forma como actua, o exercício pode estar associado ao controlo da biologia tumoral através de efeitos directos nos seus factores intrínsecos. O metabolismo tumoral tal como a sua interacção com o hospedeiro podem ser selectivamente influenciados por momentos de actividade física específica ou exercício regular aplicado, dependendo da: intensidade, duração, frequência e modalidade.
Em alguns estudos com animais, o exercício físico anaeróbico, mostrou inibir a glicólise, e mostrou que os efeitos no crescimento tumoral poderão ser mais fortes comparados com exercícios físicos aeróbicos de moderada intensidade (Hofmann, 2018, p. 1). Um mínimo de 2.5 horas de exercício físico moderado reduz significativamente a mortalidade por cancro em 13% na população geral. Um ainda maior efeito protectivo ocorreu nos sobreviventes de cancro que fizeram actividade física pós diagnóstico versus pré diagnóstico, e a mesma quantidade de actividade física por semana diminui o risco por 35% e 21% respectivamente (Hofmann, 2018, p. 2).
Outra explicação para o efeito protectivo do exercício pode estar relacionada com a redução dos seus factores de risco tais como: hormonas sexuais, factor de crescimento associado à insulina e marcadores inflamatórios. Independentemente do tipo de cancro, o exercício físico regular pode diminuir o risco e controlar o crescimento tumoral (Hofmann, 2018, p. 2).
A evidência epidemiológica também sugere que os pacientes diagnosticados com cancro tendem a sentir-se melhor depois do tratamento quando seguem programa de reabilitação completos. Estes programas são direcionados a conquistar um peso ideal através de intervenções com dieta e exercício enquanto melhoram o: fitness cardiorrespiratório, força, mobilidade integridade neuromuscular e bem estar psico social. Adicionalmente, está agora a ser testado que tipo de exercício durante e até antes do tratamento pode aumentar os resultados pós tratamento com vista à alteração do peso corporal, tendo efeitos directos na tumorgenese, reduzindo o stress oxidativo e inflamação e provavelmente aumentando a eficácia da quimioterapia (Laura Stefani, 2017, p. 1).
As recomendações da American college and Sports Medicine sugerem exercício de baixa intensidade moderada a vigorosa. Contudo, embora ainda exista medo do exercício físico de alta intensidade, alguns estudos demonstraram que este tipo de exercício é melhor do que os outros embora não se saiba ainda o porquê. Atletas de alta intensidade expostos a exercício extenuante por vários anos, têm um risco menor de mortalidade por cancro de 40% do que a população geral (Hofmann, 2018, p. 4).
O exercício físico moderado a vigoroso aeróbico tal como exercício com resistência mostrou exibir vários efeitos benéficos na prevenção e terapia de cancros. O cancro parece ter um fenótipo auto-regulável glicolitico induzindo acidose local e o exercício físico de alta intensidade é conhecido por inibir a glicólise mesmo em partes distantes dos músculos produtores de lactato, este princípio fisiológico pode ser aplicado como uma opção terapêutica para contra atacar a glicólise tumoral. Contudo, é importante ter um tipo de exercício personalizado para cada paciente, assim como intensidade, duração e frequência (Hofmann, 2018, p. 15).
Num modelo de cuidados Italiano, são feitas avaliações de performance cardiovascular com uso de electromiografia, que inclui testes de marcha de 6 minutos, testes de stress em exercício e se necessário electromiografia de stress. É importante monitorizar as anormalidades hematológicas, disfunções músculo-esqueléticas, disfunções gastrointestinais, alterações cardiovasculares e alterações neurológicas (Laura Stefani, 2017, p. 6).
Existe uma relação clara entre o fitness cardiorrespiratório e mortalidade que sugere que aqueles com o mais alto nível de fitness têm uma menor probabilidade de mortes prematuras por cancro ou outras co-morbilidades associadas á idade. Com este facto, se a saúde do paciente é relativamente boa, este deverá ser encorajado a fazer mais do que os mínimos sugeridos de exercício. Neste momento, as guidelines actuais apontam para realizar uma intensidade de exercício moderado a intenso, que é definido como 40-60% do máximo de reservas de oxigénio (VO2), ou frequência de reserva cardíaca (Laura Stefani, 2017, p. 9).
A modalidade marcha é tipicamente a modalidade aeróbica preferida para promover actividade, mas qualquer uma das modalidades deverá ser considerada tendo sempre em conta as limitações cirúrgicas, complicações de radiação ou anatómicas (ex. ciclismo para pacientes próstata) (Laura Stefani, 2017, p. 10). È também recomendado que os adultos pacientes de cancro possam fazer actividades de fortalecimento muscular que sejam moderadas ou de alta intensidade e que envolvam todos o grupos musculares major em dois ou mais dias da semana (Laura Stefani, 2017, p. 11). Como os pacientes têm normalmente mais de 50 anos, é importante investir também no aumento da mobilidade das ancas, fortalecimento da musculatura superior e estabilidade da coluna. As melhorias dos padrões de movimento permitem também ao adulto mover-se com mais facilidade e segurança, evitando quedas e potenciar as complicações ortopédicas futuras (limitações articulares) (Laura Stefani, 2017, p. 11).
Com tudo isto, existe uma excelente abertura para que o exercício físico possa ser levado mais a sério aquando dos planos de tratamento de doentes com cancro. Contudo, os mesmos deverão ser planeados junto de profissionais responsáveis e correctamente monitorizados. Os pacientes com cancro, devido à sua condição e à especificidade do tratamento necessitam de uma atenção mais especializada.
Rodrigo J. C. Estiveira
Bibliografia
Garcia, D. O., & Thomson, C. A. (2014). Physical activity and cancer survivorship. Nutr Clin Pract, 29(6), 768-779.
Hofmann, P. (2018). Cancer and Exercise: Warburg Hypothesis, Tumour Metabolism and High-Intensity Anaerobic Exercise. Sports (Basel), 6(1).
Laura Stefani, G. G. (2017). Clinical Implementation of Exercise Guidelines for Cancer patients Adaptation of ACSM’s Guidelines to the Italian Model. Funtional Morphology and Kinesiology, 2(4).
Rezende, L. F. M., Sa, T. H., Markozannes, G., Rey-Lopez, J. P., Lee, I. M., Tsilidis, K. K., . . . Eluf-Neto, J. (2018). Physical activity and cancer: an umbrella review of the literature including 22 major anatomical sites and 770 000 cancer cases. Br J Sports Med, 52(13), 826-833.
O cancro é uma das causas líder em mortalidade em todo o mundo, com aproximadamente 14 milhões de novos casos e com uma expectável taxa de incidência a aumentar por 70% nas próximas duas décadas (
Está bem documentado que a carcinogenese (formação do cancro) assim como o seu tratamento estão associados a modificações físicas e psicológicas adversas. Muitas das vezes os pacientes são sujeitos a cirurgias e quimioterapia que, embora considerada como a razão maior para o aumento dos casos de sobrevivência, nem sempre são bem toleradas e contam como causa das modificações referidas. Essas modificações, englobam alterações metabólicas e funcionais incluindo patologias cardíacas, pulmonares, neurais, ósseas e músculo-esquelética. Essas alterações podem afectar a capacidade respiratória, força, composição corporal e função física, incluindo a integridade do sistema imunitário e consequentemente a qualidade de vida (
Contudo, chegam-nos hoje em dia os resultados de estudos epidemiológicos que sugerem que os pacientes diagnosticados com cancro tendem a sentir-se melhor depois do tratamento quando seguem um programa de reabilitação completo. Estes tipos de programa são direcionados a conquistar um peso ideal através de intervenções com dieta e exercício físico. Como consequência, melhoram: a capacidade cardiorrespiratória, força, mobilidade, integridade neuromuscular e bem-estar psicossocial (
Então, de que maneira pode o exercício ajudar no tratamento do cancro? Em primeiro lugar é preciso dizer que a taxa de sobrevivência de 5 anos após o diagnóstico de cancro aumentou cerca de 19% (Garcia & Thomson, 2014, p. 3) e isso foi devido ao diagnóstico precoce e a tratamentos mais eficazes: cirúrgicos, quimioterapia e radioterapia. E esses são os tratamentos mais eficazes disponíveis. Contudo, em relação ao exercício físico, sabe-se que está associado a um risco mais diminuído de mortalidade, recorrência de cancro e várias outras doenças crónicas nomeadamente diabetes tipo II e cardiovasculares, que são também condições comuns de comorbilidade em sobreviventes de cancro (Garcia & Thomson, 2014, p. 3).
Existe uma ampla evidência de que o exercício moderado a vigoroso aeróbico regular esteja relacionado a um reduzido risco de várias formas de cancro. Contudo, apenas para o cancro do cólon e da mama parece existir uma evidência científica forte e sugestiva. Para outros cancros há uma evidência menos consistente e esta é também uma área com algum viés, já que os estudos com resultados pouco positivos têm mais tendência a não serem publicados (Rezende et al., 2018, p. 6).
Em relação à forma como actua, o exercício pode estar associado ao controlo da biologia tumoral através de efeitos directos nos seus factores intrínsecos. O metabolismo tumoral tal como a sua interacção com o hospedeiro podem ser selectivamente influenciados por momentos de actividade física específica ou exercício regular aplicado, dependendo da: intensidade, duração, frequência e modalidade.
Em alguns estudos com animais, o exercício físico anaeróbico, mostrou inibir a glicólise, e mostrou que os efeitos no crescimento tumoral poderão ser mais fortes comparados com exercícios físicos aeróbicos de moderada intensidade (Hofmann, 2018, p. 1). Um mínimo de 2.5 horas de exercício físico moderado reduz significativamente a mortalidade por cancro em 13% na população geral. Um ainda maior efeito protectivo ocorreu nos sobreviventes de cancro que fizeram actividade física pós diagnóstico versus pré diagnóstico, e a mesma quantidade de actividade física por semana diminui o risco por 35% e 21% respectivamente (Hofmann, 2018, p. 2).
Outra explicação para o efeito protectivo do exercício pode estar relacionada com a redução dos seus factores de risco tais como: hormonas sexuais, factor de crescimento associado à insulina e marcadores inflamatórios. Independentemente do tipo de cancro, o exercício físico regular pode diminuir o risco e controlar o crescimento tumoral (Hofmann, 2018, p. 2).
A evidência epidemiológica também sugere que os pacientes diagnosticados com cancro tendem a sentir-se melhor depois do tratamento quando seguem programa de reabilitação completos. Estes programas são direcionados a conquistar um peso ideal através de intervenções com dieta e exercício enquanto melhoram o: fitness cardiorrespiratório, força, mobilidade integridade neuromuscular e bem estar psico social. Adicionalmente, está agora a ser testado que tipo de exercício durante e até antes do tratamento pode aumentar os resultados pós tratamento com vista à alteração do peso corporal, tendo efeitos directos na tumorgenese, reduzindo o stress oxidativo e inflamação e provavelmente aumentando a eficácia da quimioterapia (
As recomendações da American college and Sports Medicine sugerem exercício de baixa intensidade moderada a vigorosa. Contudo, embora ainda exista medo do exercício físico de alta intensidade, alguns estudos demonstraram que este tipo de exercício é melhor do que os outros embora não se saiba ainda o porquê. Atletas de alta intensidade expostos a exercício extenuante por vários anos, têm um risco menor de mortalidade por cancro de 40% do que a população geral (Hofmann, 2018, p. 4).
O exercício físico moderado a vigoroso aeróbico tal como exercício com resistência mostrou exibir vários efeitos benéficos na prevenção e terapia de cancros. O cancro parece ter um fenótipo auto-regulável glicolitico induzindo acidose local e o exercício físico de alta intensidade é conhecido por inibir a glicólise mesmo em partes distantes dos músculos produtores de lactato, este princípio fisiológico pode ser aplicado como uma opção terapêutica para contra atacar a glicólise tumoral. Contudo, é importante ter um tipo de exercício personalizado para cada paciente, assim como intensidade, duração e frequência (Hofmann, 2018, p. 15).
Num modelo de cuidados Italiano, são feitas avaliações de performance cardiovascular com uso de electromiografia, que inclui testes de marcha de 6 minutos, testes de stress em exercício e se necessário electromiografia de stress. É importante monitorizar as anormalidades hematológicas, disfunções músculo-esqueléticas, disfunções gastrointestinais, alterações cardiovasculares e alterações neurológicas (
Existe uma relação clara entre o fitness cardiorrespiratório e mortalidade que sugere que aqueles com o mais alto nível de fitness têm uma menor probabilidade de mortes prematuras por cancro ou outras co-morbilidades associadas á idade. Com este facto, se a saúde do paciente é relativamente boa, este deverá ser encorajado a fazer mais do que os mínimos sugeridos de exercício. Neste momento, as guidelines actuais apontam para realizar uma intensidade de exercício moderado a intenso, que é definido como 40-60% do máximo de reservas de oxigénio (VO2), ou frequência de reserva cardíaca (
A modalidade marcha é tipicamente a modalidade aeróbica preferida para promover actividade, mas qualquer uma das modalidades deverá ser considerada tendo sempre em conta as limitações cirúrgicas, complicações de radiação ou anatómicas (ex. ciclismo para pacientes próstata) (
Com tudo isto, existe uma excelente abertura para que o exercício físico possa ser levado mais a sério aquando dos planos de tratamento de doentes com cancro. Contudo, os mesmos deverão ser planeados junto de profissionais responsáveis e correctamente monitorizados. Os pacientes com cancro, devido à sua condição e à especificidade do tratamento necessitam de uma atenção mais especializada.
Rodrigo J. C. Estiveira
Bibliografia
Garcia, D. O., & Thomson, C. A. (2014). Physical activity and cancer survivorship. Nutr Clin Pract, 29(6), 768-779.
Hofmann, P. (2018). Cancer and Exercise: Warburg Hypothesis, Tumour Metabolism and High-Intensity Anaerobic Exercise. Sports (Basel), 6(1).
Laura Stefani, G. G. (2017). Clinical Implementation of Exercise Guidelines for Cancer patients Adaptation of ACSM’s Guidelines to the Italian Model. Funtional Morphology and Kinesiology, 2(4).
Rezende, L. F. M., Sa, T. H., Markozannes, G., Rey-Lopez, J. P., Lee, I. M., Tsilidis, K. K., . . . Eluf-Neto, J. (2018). Physical activity and cancer: an umbrella review of the literature including 22 major anatomical sites and 770 000 cancer cases. Br J Sports Med, 52(13), 826-833.