Tem surgido um interesse crescente sobre os efeitos do jejum no organismo. De forma intencional, o jejum está intimamente relacionado com a práticas religiosas de várias religiões do mundo inteiro mas, parece haver uma ligação evolutiva entre os mamíferos e o meio envolvente, com benefícios vários para a saúde. É com base nos pressupostos de que, certos estilos de vida e os hábitos alimentares são variáveis importantes para a manifestação de doenças crónicas que vários estudos têm vindo a ser realizados e, neste caso específico, estudos com impacto do jejum na fisiologia e saúde geral.
Sem dúvida que a revolução agrícola e industrial deu um passo gigantesco para a evolução das nossas sociedades, e também, no aumento da esperança de vida e qualidade nutricional da alimentação dos seres humanos. A produção intensiva de alimentos, a rotatividade de culturas, a domesticação e exploração de animais, passando pela conservação desses alimentos, permitiram que pudéssemos ter acesso aos mesmos de uma forma mais imediata e abundante ao longo do ano. Não querendo abordar o tema da igualdade de distribuição e poder aquisitivo de cada indivíduo, é certo que de forma geral, nunca em toda a história da humanidade, tivemos tanto acesso a alimentos como agora.
Mas, pensando um pouco, a janela de tempo na história da humanidade em que se dá a domesticação de plantas e animais, e posteriormente, a produção à escala industrial e técnicas de conservação, corresponde a uma pequena fracção de tempo daquilo que é a história evolutiva da nossa espécie. Visto isto, vale a pena reflectir no ambiente em que se desenvolveu o nosso organismo antes desses acontecimentos.
Os animais, incluindo os seres humanos, evoluíram num ambiente em que os alimentos eram relativamente escassos. Na ausência de técnicas de conservação eficazes, a alimentação era garantida pela disponibilidade de alimentos a cada dia. Assim, teriam de estar sujeitos á variabilidade e quantidade de alimentos num ciclo diário e cíclico anual. Significa isto que, haveria dias em que a disponibilidade de alimentos seria maior mas também outros com escassez ou mesmo ausência de alimentos. Para não falar do mesmo tipo de padrão num ciclo anual, tendo em conta as várias estações do ano e a sua influência nos ciclos vegetal e animal, contribuindo para alturas do ano de maior abundância e de escassez.
Foi o desenvolvimento num ambiente assim que os animais, incluindo os humanos, desenvolveram inúmeras adaptações que os permitiram funcionar a um nível elevado, tanto a nível físico como cognitivo, mesmo havendo escassez de alimentos.
Hoje, sabemos que o supra consumo de alimentos são uma variável importante para a manifestação de alterações metabólicas como a diabetes (aumento da glicemia) ou á obesidade (no caso de acumulação excessiva de massa gorda visceral) (Mattson, Longo, & Harvie, 2017, p. 1), associados ao estilo de vida. Por outro lado, as restrições da dieta promovem alterações celulares e metabólicas que reduzem os danos no organismo causados pelo stress oxidativo e inflamação (presentes no processo de envelhecimento), optimizam o metabolismo energético e aumentando a protecção celular (Brandhorst et al., 2015, p. 2).
Os estudos que têm sido feitos em modelos bacterianos e animais têm sido extremamente promissores. Com ciclos de jejum e dieta rica em nutrientes, é possível aumentar o tempo de vida de leveduras (bactérias) em relação às que não têm qualquer restrição alimentar. Em ratos, uma dieta com ciclos de jejum, promoveu a neogénese (regeneração de tecidos), diminuiu a inflamação e melhorou a performance cognitiva (Brandhorst et al., 2015, p. 1).
Existem várias formas de jejum, sendo que as formas mais populares englobam: um dia com uma alimentação normal seguido de um dia de jejum (jejum intermitente), vários dias seguidos de jejum (jejum prolongado), períodos de alimentação de 4, 6 a 8 horas seguidas das restantes horas do dia em jejum (Alimentação restrita pelo tempo) ou uma dieta com uma restrição calórica importante que mimetiza o jejum. Esta última de grande importância porque consegue diminuir os efeitos adversos do jejum, nomeadamente a malnutrição, tornando-a mais tolerável a grupos populacionais mais fragilizados como é o caso dos idosos.
Quando o organismo fica sujeito a uma situação de depleção de energia, dão-se alterações metabólicas e celulares em que o stress provocado faz com que as células libertem proteínas que têm propriedades especiais. Estas proteínas têm propriedades anti-inflamatórias e anti-apoptóticas (reduzem a morte celular) e o aumento destas proteínas diminui a resistência á insulina, intolerância á glicose e hiperglicemia (Golbidi et al., 2017, p. 4).
A diminuição da resistência á insulina e a diminuição da inflamação é vantajosa para lidar com a Diabetes. A diabetes é uma doença metabólica crónica que se caracteriza pelo aumento dos níveis de açúcar no sangue. Em estudos com ratos, quando alimentados especialmente com uma dieta gorda, desenvolviam resistência á insulina daí os níveis de açúcar subirem no sangue. Mantendo-os em dietas por restrição de tempo, foi o suficiente para diminuir essa resistência. E o contrário acontece também quando desenvolvem hiperinsulinémia, obesidade e inflamação sistémica numa dieta sem restrições, podendo ser diminuídas pela dieta com restrição de tempo (Mattson et al., 2017, p. 6). Os mecanismos pelos quais isto acontece envolvem um aumento da sensibilidade dos receptores de insulina de tal forma que mais rapidamente os músculos, células do fígado e outras células como os neurónios aumentam o consumo de açúcares.
Não é só a diabetes que poderá ter uma solução com a dieta. O mesmo poderá acontecer com doenças neurológicas. Existe uma degeneração e morte dos neurônios nestas doenças e acredita-se estar relacionado com um declínio da função das mitocôndrias (componente celular responsável pela energia), lesões oxidativas (decorrentes do envelhecimento), função lisossoma diminuída (importante para a actividade celular) e outras actividades celulares. A melhoria da actividade das mitocôndrias e regulação energética, assim como a diminuição da inflamação e das proteínas inflamatórias em circulação são um dos grandes efeitos benéficos do jejum (Mattson et al., 2017, p. 10). A performance mental aumenta, e os níveis de citoquinas próinflamatórias e supressão do inflamassoma importante na prevenção de acidentes vasculares cerebrais (Mattson et al., 2017, p. 10).
Também o cancro foi estudado, e no caso de estudos em ratos, quando os mesmos iniciavam uma dieta severa com jejum prolongado na meia idade, verificou-se uma grande redução na incidência de tumores, diminuição na progressão dos mesmos e redução do número de localizações, sugerindo uma redução nos cancros metastáticos (Mattson et al., 2017, p. 11).
Todos estes resultados são promissores e abrem um caminho para estudos com seres humanos para verificar se os mesmos resultados podem ser obtidos. A natureza percorreu um longo caminho para nos dotar dos corpos que possuímos. Se há lição que podemos por vezes tirar é que as respostas para a forma como lidamos com o nosso corpo, sejam em relação á alimentação ou exercício físico, estão reflectidas na evolução face às exigências do meio ambiente. Sem dúvida que criámos, neste curto espaço de tempo evolutivo, um ambiente muito diferente do que nos moldou ao longo do tempo. Não será nunca sem prejuízo, obrigar o nosso corpo a se desenvolver num ambiente para o qual não foi preparado.
Com a intenção de advertência, refiro que as evidências aqui descritas são o resultado de estudos com modelos animais. Não se aconselha a fazer nenhum regime das dietas aqui descritas pois os resultados não estão comprovados para humanos.
Rodrigo Estiveira, 2019
Bibliografia
Brandhorst, S., Choi, I. Y., Wei, M., Cheng, C. W., Sedrakyan, S., Navarrete, G., . . . Longo, V. D. (2015). A Periodic Diet that Mimics Fasting Promotes Multi-System Regeneration, Enhanced Cognitive Performance, and Healthspan. Cell Metab, 22(1), 86-99.
Golbidi, S., Daiber, A., Korac, B., Li, H., Essop, M. F., & Laher, I. (2017). Health Benefits of Fasting and Caloric Restriction. Curr Diab Rep, 17(12), 123.
Mattson, M. P., Longo, V. D., & Harvie, M. (2017). Impact of intermittent fasting on health and disease processes. Ageing Res Rev, 39, 46-58.
Sem dúvida que a revolução agrícola e industrial deu um passo gigantesco para a evolução das nossas sociedades, e também, no aumento da esperança de vida e qualidade nutricional da alimentação dos seres humanos. A produção intensiva de alimentos, a rotatividade de culturas, a domesticação e exploração de animais, passando pela conservação desses alimentos, permitiram que pudéssemos ter acesso aos mesmos de uma forma mais imediata e abundante ao longo do ano. Não querendo abordar o tema da igualdade de distribuição e poder aquisitivo de cada indivíduo, é certo que de forma geral, nunca em toda a história da humanidade, tivemos tanto acesso a alimentos como agora.
Mas, pensando um pouco, a janela de tempo na história da humanidade em que se dá a domesticação de plantas e animais, e posteriormente, a produção à escala industrial e técnicas de conservação, corresponde a uma pequena fracção de tempo daquilo que é a história evolutiva da nossa espécie. Visto isto, vale a pena reflectir no ambiente em que se desenvolveu o nosso organismo antes desses acontecimentos.
Os animais, incluindo os seres humanos, evoluíram num ambiente em que os alimentos eram relativamente escassos. Na ausência de técnicas de conservação eficazes, a alimentação era garantida pela disponibilidade de alimentos a cada dia. Assim, teriam de estar sujeitos á variabilidade e quantidade de alimentos num ciclo diário e cíclico anual. Significa isto que, haveria dias em que a disponibilidade de alimentos seria maior mas também outros com escassez ou mesmo ausência de alimentos. Para não falar do mesmo tipo de padrão num ciclo anual, tendo em conta as várias estações do ano e a sua influência nos ciclos vegetal e animal, contribuindo para alturas do ano de maior abundância e de escassez.
Foi o desenvolvimento num ambiente assim que os animais, incluindo os humanos, desenvolveram inúmeras adaptações que os permitiram funcionar a um nível elevado, tanto a nível físico como cognitivo, mesmo havendo escassez de alimentos.
Hoje, sabemos que o supra consumo de alimentos são uma variável importante para a manifestação de alterações metabólicas como a diabetes (aumento da glicemia) ou á obesidade (no caso de acumulação excessiva de massa gorda visceral) (Mattson, Longo, & Harvie, 2017, p. 1), associados ao estilo de vida. Por outro lado, as restrições da dieta promovem alterações celulares e metabólicas que reduzem os danos no organismo causados pelo stress oxidativo e inflamação (presentes no processo de envelhecimento), optimizam o metabolismo energético e aumentando a protecção celular (Brandhorst et al., 2015, p. 2).
Os estudos que têm sido feitos em modelos bacterianos e animais têm sido extremamente promissores. Com ciclos de jejum e dieta rica em nutrientes, é possível aumentar o tempo de vida de leveduras (bactérias) em relação às que não têm qualquer restrição alimentar. Em ratos, uma dieta com ciclos de jejum, promoveu a neogénese (regeneração de tecidos), diminuiu a inflamação e melhorou a performance cognitiva (Brandhorst et al., 2015, p. 1).
Existem várias formas de jejum, sendo que as formas mais populares englobam: um dia com uma alimentação normal seguido de um dia de jejum (jejum intermitente), vários dias seguidos de jejum (jejum prolongado), períodos de alimentação de 4, 6 a 8 horas seguidas das restantes horas do dia em jejum (Alimentação restrita pelo tempo) ou uma dieta com uma restrição calórica importante que mimetiza o jejum. Esta última de grande importância porque consegue diminuir os efeitos adversos do jejum, nomeadamente a malnutrição, tornando-a mais tolerável a grupos populacionais mais fragilizados como é o caso dos idosos.
Quando o organismo fica sujeito a uma situação de depleção de energia, dão-se alterações metabólicas e celulares em que o stress provocado faz com que as células libertem proteínas que têm propriedades especiais. Estas proteínas têm propriedades anti-inflamatórias e anti-apoptóticas (reduzem a morte celular) e o aumento destas proteínas diminui a resistência á insulina, intolerância á glicose e hiperglicemia (Golbidi et al., 2017, p. 4).
A diminuição da resistência á insulina e a diminuição da inflamação é vantajosa para lidar com a Diabetes. A diabetes é uma doença metabólica crónica que se caracteriza pelo aumento dos níveis de açúcar no sangue. Em estudos com ratos, quando alimentados especialmente com uma dieta gorda, desenvolviam resistência á insulina daí os níveis de açúcar subirem no sangue. Mantendo-os em dietas por restrição de tempo, foi o suficiente para diminuir essa resistência. E o contrário acontece também quando desenvolvem hiperinsulinémia, obesidade e inflamação sistémica numa dieta sem restrições, podendo ser diminuídas pela dieta com restrição de tempo (Mattson et al., 2017, p. 6). Os mecanismos pelos quais isto acontece envolvem um aumento da sensibilidade dos receptores de insulina de tal forma que mais rapidamente os músculos, células do fígado e outras células como os neurónios aumentam o consumo de açúcares.
Não é só a diabetes que poderá ter uma solução com a dieta. O mesmo poderá acontecer com doenças neurológicas. Existe uma degeneração e morte dos neurônios nestas doenças e acredita-se estar relacionado com um declínio da função das mitocôndrias (componente celular responsável pela energia), lesões oxidativas (decorrentes do envelhecimento), função lisossoma diminuída (importante para a actividade celular) e outras actividades celulares. A melhoria da actividade das mitocôndrias e regulação energética, assim como a diminuição da inflamação e das proteínas inflamatórias em circulação são um dos grandes efeitos benéficos do jejum (Mattson et al., 2017, p. 10). A performance mental aumenta, e os níveis de citoquinas próinflamatórias e supressão do inflamassoma importante na prevenção de acidentes vasculares cerebrais (Mattson et al., 2017, p. 10).
Também o cancro foi estudado, e no caso de estudos em ratos, quando os mesmos iniciavam uma dieta severa com jejum prolongado na meia idade, verificou-se uma grande redução na incidência de tumores, diminuição na progressão dos mesmos e redução do número de localizações, sugerindo uma redução nos cancros metastáticos (Mattson et al., 2017, p. 11).
Todos estes resultados são promissores e abrem um caminho para estudos com seres humanos para verificar se os mesmos resultados podem ser obtidos. A natureza percorreu um longo caminho para nos dotar dos corpos que possuímos. Se há lição que podemos por vezes tirar é que as respostas para a forma como lidamos com o nosso corpo, sejam em relação á alimentação ou exercício físico, estão reflectidas na evolução face às exigências do meio ambiente. Sem dúvida que criámos, neste curto espaço de tempo evolutivo, um ambiente muito diferente do que nos moldou ao longo do tempo. Não será nunca sem prejuízo, obrigar o nosso corpo a se desenvolver num ambiente para o qual não foi preparado.
Com a intenção de advertência, refiro que as evidências aqui descritas são o resultado de estudos com modelos animais. Não se aconselha a fazer nenhum regime das dietas aqui descritas pois os resultados não estão comprovados para humanos.
Rodrigo Estiveira, 2019
Bibliografia
Brandhorst, S., Choi, I. Y., Wei, M., Cheng, C. W., Sedrakyan, S., Navarrete, G., . . . Longo, V. D. (2015). A Periodic Diet that Mimics Fasting Promotes Multi-System Regeneration, Enhanced Cognitive Performance, and Healthspan. Cell Metab, 22(1), 86-99.
Golbidi, S., Daiber, A., Korac, B., Li, H., Essop, M. F., & Laher, I. (2017). Health Benefits of Fasting and Caloric Restriction. Curr Diab Rep, 17(12), 123.
Mattson, M. P., Longo, V. D., & Harvie, M. (2017). Impact of intermittent fasting on health and disease processes. Ageing Res Rev, 39, 46-58.