Daremos atenção devida aos nossos ciclos biológicos?
Na minha prática clínica, fui-me habituando a fazer uma pergunta, no decorrer do exame subjectivo, que julguei ser importante no início de ter começado a trabalhar e nunca deixei de a fazer até então. No final da entrevista sempre questionei sobre a qualidade do sono. De forma empírica associei ao facto de haver uma má qualidade de sono, com maiores dificuldades em atingir os resultados esperados no decorrer do tratamento. De qualquer maneira, a questão do sono parece ultrapassar o indivíduo que recorre a tratamentos por uma dor e ser uma questão mais abrangente e profunda. Estaremos nós enquanto indivíduos inseridos na sociedade a dar a devida atenção aos nossos ciclos biológicos?
Todos nós temos um ciclo biológico que marca os ciclos do nosso corpo no espaço de 24 horas. É chamado de ritmo circadiano e refere-se às alterações moleculares, fisiológicas e comportamentais num ciclo de aproximadamente 24 horas. Este sistema tem um papel fundamental em muitos processos biológicos, como o ciclo de sono/alerta, secreções hormonais, saúde cardiovascular, homeostasia da glucose (açúcares) e a regulação da temperatura corporal (Serin & Acar Tek, 2019, p. 1).
No decorrer de toda a evolução, faz todo o sentido que o nosso organismo se tenha adaptado aos ritmos impostos pelo ciclo de dia e de noite e á disponibilidade de alimento. Estes padrões acabam por ter uma impressão e expressão importante em nós. Tão óbvia por vezes, que é impossível ignorar. Nunca abandonámos a natureza e a marca da evolução.
O que se assiste hoje em dia, com o avanço tecnológico e com os ritmos e padrões de trabalho é uma desregulação nos ciclos de sono/alerta e de alimentação. Esta disrupção acaba por ter um impacto muito grande nos nossos sistemas internos de regulação biológica. Temos acesso a inúmeras possibilidades tecnológicas como televisão, computadores e telemóveis que nos fazem estar em frente a ecrãs de luz até longas horas à noite. A actividade humana passou a poder ser desempenhada num ciclo de 24 horas, tendo muitas profissões a desempenharem os seus trabalhos à noite ou de forma intermitente quando trabalham por turnos. Estamos a ir contra os nossos ciclos e tudo isto, tem um impacto na nossa saúde.
Disrupções prolongadas do ritmo circadiano estão associados a: mortalidade prematura, obesidade, tolerância diminuída á glucose, diabetes, doenças psiquiátricas, ansiedade, depressão e progressão de cancro. Disrupções a curto prazo estão associadas à diminuição da sensação de bem-estar, fadiga e diminuição da capacidade de concentração.
A regulação hormonal fica afectada com a qualidade do sono, nomeadamente na Diabetes tipo II. Isto tem a ver com o facto de haver uma menor produção da hormona insulina e um aumento da resistência da mesma (Serin & Acar Tek, 2019, p. 4). Lembrando o facto de ser a insulina responsável pela regulação dos açúcares no sangue. Também a hormona de crescimento é produzida enquanto dormimos, assim como a prolactina (Potter et al., 2016, p. 7), na qual a sua restrição afecta o metabolismo lipídico e também o apetite, o que influencia tanto a produção de insulina como o facto de haver uma ligação entre o sono e a obesidade.
Quem dorme pouco tem normalmente refeições mais frequentes, curtas mas com maiores escolhas calóricas e pela noite (Dashti, Scheer, Jacques, Lamon-Fava, & Ordovas, 2015, p. 1), daí a relação com o aumento de peso. E é pela noite que há uma menor motilidade intestinal (Potter et al., 2016, p. 7) daí ser importante, respeitando o ritmo biológico, ter refeições mais ligeiras nesse período.
Outra hormona importante é a melatonina que tem o seu pico máximo de produção ao anoitecer e diminuição com o aparecimento de luz pela manhã. Ela, além de ser um importante indutor de sono, tem também uma função antioxidativa e modulação imune, retardando o envelhecimento e prevenindo doenças, sendo também reguladora do humor e do sistema cardiovascular. Um pormenor também importante acerca da melatonina parece ser o seu papel em condições de dor crónica, onde os seus níveis mais elevados estão relacionados com uma diminuição da dor nas actividades diárias (Danilov & Kurganova, 2016, p. 4). Com a normalização do sono, também há uma diminuição nos níveis de ansiedade e depressão (Danilov & Kurganova, 2016, p. 4), a título de exemplo, as crianças melhoram o seu comportamento na escola se tiverem mais horas de sono (Potter et al., 2016).
Os transtornos causados pelas poucas horas de sono abrangem também quem trabalha por turnos. Este grupo, está mais exposto a sofrer de perturbações na memória e capacidade cognitiva. Isto, além de aumentar a pressão arterial, marcadores inflamatórios e os níveis de cortisol (Potter et al., 2016), hormona associada ao stress e ansiedade.
Vale a pena escutar o nosso próprio ritmo biológico e procurarmos nos adaptar. As soluções podem passar por diminuir a intensidade das luzes em casa e não aceder a dispositivos electrónicos como computadores, televisão e telemóveis, pelo menos uma hora antes de ir dormir para não perturbar o normal aumento de melatonina que nos irá induzir sono. O contrário seria como dizer ao nosso cérebro de que ainda está de dia.
Quem sofre de insónias, poderá ficar mais tempo na cama até chegar a hora de ter de levantar para iniciar o dia. Essa extensão do sono poderá pelo menos ajudar, já que melhora a regulação dos níveis de açúcar e sensibilidade da insulina, além de aumentar a produção de testosterona no caso dos homens (Potter et al., 2016, p. 14).
Procure dormir o suficiente, sendo que menos de 7 horas é considerado um sono curto e mais de 9 horas um sono longo. Fique atento à sensação de cansaço ao acordar, já que o sono deverá ser reparador.
A alimentação é também importante, já que devemos ter em atenção e não escolher comer muito e de alto valor calórico pela noite mas sim dar importância às refeições feitas no início e meio do dia.
Por tudo isto, vale a pena escutar o seu corpo e perceber qual o ritmo em que funciona melhor não querendo impor um ritmo anormal. Se a vida assim o exige, procure contrabalançar pelo menos eliminando comportamentos desnecessários tal como ficar até tarde a olhar o telemóvel ou televisão. No final, conheça e respeite os seus ritmos biológicos.
Rodrigo Estiveira, 2019
Bibliografia
Danilov, A., & Kurganova, J. (2016). Melatonin in Chronic Pain Syndromes. Pain Ther, 5(1), 1-17.
Dashti, H. S., Scheer, F. A., Jacques, P. F., Lamon-Fava, S., & Ordovas, J. M. (2015). Short sleep duration and dietary intake: epidemiologic evidence, mechanisms, and health implications. Adv Nutr, 6(6), 648-659.
Potter, G. D., Skene, D. J., Arendt, J., Cade, J. E., Grant, P. J., & Hardie, L. J. (2016). Circadian Rhythm and Sleep Disruption: Causes, Metabolic Consequences, and Countermeasures. Endocr Rev, 37(6), 584-608.
Serin, Y., & Acar Tek, N. (2019). Effect of Circadian Rhythm on Metabolic Processes and the Regulation of Energy Balance. Ann Nutr Metab, 74(4), 322-330.
Na minha prática clínica, fui-me habituando a fazer uma pergunta, no decorrer do exame subjectivo, que julguei ser importante no início de ter começado a trabalhar e nunca deixei de a fazer até então. No final da entrevista sempre questionei sobre a qualidade do sono. De forma empírica associei ao facto de haver uma má qualidade de sono, com maiores dificuldades em atingir os resultados esperados no decorrer do tratamento. De qualquer maneira, a questão do sono parece ultrapassar o indivíduo que recorre a tratamentos por uma dor e ser uma questão mais abrangente e profunda. Estaremos nós enquanto indivíduos inseridos na sociedade a dar a devida atenção aos nossos ciclos biológicos?
Todos nós temos um ciclo biológico que marca os ciclos do nosso corpo no espaço de 24 horas. É chamado de ritmo circadiano e refere-se às alterações moleculares, fisiológicas e comportamentais num ciclo de aproximadamente 24 horas. Este sistema tem um papel fundamental em muitos processos biológicos, como o ciclo de sono/alerta, secreções hormonais, saúde cardiovascular, homeostasia da glucose (açúcares) e a regulação da temperatura corporal (Serin & Acar Tek, 2019, p. 1).
No decorrer de toda a evolução, faz todo o sentido que o nosso organismo se tenha adaptado aos ritmos impostos pelo ciclo de dia e de noite e á disponibilidade de alimento. Estes padrões acabam por ter uma impressão e expressão importante em nós. Tão óbvia por vezes, que é impossível ignorar. Nunca abandonámos a natureza e a marca da evolução.
O que se assiste hoje em dia, com o avanço tecnológico e com os ritmos e padrões de trabalho é uma desregulação nos ciclos de sono/alerta e de alimentação. Esta disrupção acaba por ter um impacto muito grande nos nossos sistemas internos de regulação biológica. Temos acesso a inúmeras possibilidades tecnológicas como televisão, computadores e telemóveis que nos fazem estar em frente a ecrãs de luz até longas horas à noite. A actividade humana passou a poder ser desempenhada num ciclo de 24 horas, tendo muitas profissões a desempenharem os seus trabalhos à noite ou de forma intermitente quando trabalham por turnos. Estamos a ir contra os nossos ciclos e tudo isto, tem um impacto na nossa saúde.
Disrupções prolongadas do ritmo circadiano estão associados a: mortalidade prematura, obesidade, tolerância diminuída á glucose, diabetes, doenças psiquiátricas, ansiedade, depressão e progressão de cancro. Disrupções a curto prazo estão associadas à diminuição da sensação de bem-estar, fadiga e diminuição da capacidade de concentração.
A regulação hormonal fica afectada com a qualidade do sono, nomeadamente na Diabetes tipo II. Isto tem a ver com o facto de haver uma menor produção da hormona insulina e um aumento da resistência da mesma (Serin & Acar Tek, 2019, p. 4). Lembrando o facto de ser a insulina responsável pela regulação dos açúcares no sangue. Também a hormona de crescimento é produzida enquanto dormimos, assim como a prolactina (Potter et al., 2016, p. 7), na qual a sua restrição afecta o metabolismo lipídico e também o apetite, o que influencia tanto a produção de insulina como o facto de haver uma ligação entre o sono e a obesidade.
Quem dorme pouco tem normalmente refeições mais frequentes, curtas mas com maiores escolhas calóricas e pela noite (Dashti, Scheer, Jacques, Lamon-Fava, & Ordovas, 2015, p. 1), daí a relação com o aumento de peso. E é pela noite que há uma menor motilidade intestinal (Potter et al., 2016, p. 7) daí ser importante, respeitando o ritmo biológico, ter refeições mais ligeiras nesse período.
Outra hormona importante é a melatonina que tem o seu pico máximo de produção ao anoitecer e diminuição com o aparecimento de luz pela manhã. Ela, além de ser um importante indutor de sono, tem também uma função antioxidativa e modulação imune, retardando o envelhecimento e prevenindo doenças, sendo também reguladora do humor e do sistema cardiovascular. Um pormenor também importante acerca da melatonina parece ser o seu papel em condições de dor crónica, onde os seus níveis mais elevados estão relacionados com uma diminuição da dor nas actividades diárias (Danilov & Kurganova, 2016, p. 4). Com a normalização do sono, também há uma diminuição nos níveis de ansiedade e depressão (Danilov & Kurganova, 2016, p. 4), a título de exemplo, as crianças melhoram o seu comportamento na escola se tiverem mais horas de sono (Potter et al., 2016).
Os transtornos causados pelas poucas horas de sono abrangem também quem trabalha por turnos. Este grupo, está mais exposto a sofrer de perturbações na memória e capacidade cognitiva. Isto, além de aumentar a pressão arterial, marcadores inflamatórios e os níveis de cortisol (Potter et al., 2016), hormona associada ao stress e ansiedade.
Vale a pena escutar o nosso próprio ritmo biológico e procurarmos nos adaptar. As soluções podem passar por diminuir a intensidade das luzes em casa e não aceder a dispositivos electrónicos como computadores, televisão e telemóveis, pelo menos uma hora antes de ir dormir para não perturbar o normal aumento de melatonina que nos irá induzir sono. O contrário seria como dizer ao nosso cérebro de que ainda está de dia.
Quem sofre de insónias, poderá ficar mais tempo na cama até chegar a hora de ter de levantar para iniciar o dia. Essa extensão do sono poderá pelo menos ajudar, já que melhora a regulação dos níveis de açúcar e sensibilidade da insulina, além de aumentar a produção de testosterona no caso dos homens (Potter et al., 2016, p. 14).
Procure dormir o suficiente, sendo que menos de 7 horas é considerado um sono curto e mais de 9 horas um sono longo. Fique atento à sensação de cansaço ao acordar, já que o sono deverá ser reparador.
A alimentação é também importante, já que devemos ter em atenção e não escolher comer muito e de alto valor calórico pela noite mas sim dar importância às refeições feitas no início e meio do dia.
Por tudo isto, vale a pena escutar o seu corpo e perceber qual o ritmo em que funciona melhor não querendo impor um ritmo anormal. Se a vida assim o exige, procure contrabalançar pelo menos eliminando comportamentos desnecessários tal como ficar até tarde a olhar o telemóvel ou televisão. No final, conheça e respeite os seus ritmos biológicos.
Rodrigo Estiveira, 2019
Bibliografia
Danilov, A., & Kurganova, J. (2016). Melatonin in Chronic Pain Syndromes. Pain Ther, 5(1), 1-17.
Dashti, H. S., Scheer, F. A., Jacques, P. F., Lamon-Fava, S., & Ordovas, J. M. (2015). Short sleep duration and dietary intake: epidemiologic evidence, mechanisms, and health implications. Adv Nutr, 6(6), 648-659.
Potter, G. D., Skene, D. J., Arendt, J., Cade, J. E., Grant, P. J., & Hardie, L. J. (2016). Circadian Rhythm and Sleep Disruption: Causes, Metabolic Consequences, and Countermeasures. Endocr Rev, 37(6), 584-608.
Serin, Y., & Acar Tek, N. (2019). Effect of Circadian Rhythm on Metabolic Processes and the Regulation of Energy Balance. Ann Nutr Metab, 74(4), 322-330.